07 novembro 2012

Uma nova era de milagres


Nunca antes, na história da Igreja Evangélica, milagres e curas estiveram tanto em evidência. Relatos de sinais e prodígios operados por Deus surgem a cada dia, mas o que eles realmente significam?

Vivemos em uma era pentecostal, e onde quer que existam igrejas crescendo, relatos de maravilhas operadas por Jesus são cada vez mais frequentes. Diversos grupos cristãos, inclusive, constroem suas plataformas teológicas e litúrgias justamente sobre as promessas de que os milagres não apenas continuam acontecendo hoje, como estão à disposição de todo aquele que crer. Para inúmeros crentes, os milagres são extremamente importantes – mas, mesmo entre o povo de Deus, há aqueles que veem a suposta repetição dos sinais relatados no Novo Testamento com desconfiança. Os médicos cristãos, particularmente, costumam se dividir entre a crença na ação divina e o ceticismo típico de quem costuma ver muitos doentes e sabe que o que acontece com eles é difícil de prever e explicar. Alguns pioram inesperadamente e morrem. Outros apresentam surpreendente melhora. E não se sabe exatamente o porquê.

Para muitos profissionais de saúde, este é realmente um paradoxo difícil de explicar. Médicos de fé piedosa não negam que, por vezes, certas reabilitações seriam melhor explicadas como resultado da intervenção divina. Contudo, têm a certeza, comprovada pela ciência, de que a ligação entre mente e corpo é incrivelmente forte. Por isso, nenhum deles aposta totalmente no argumento de que a cura é proveniente de um milagre. Gente assim representa uma tradição no protestantismo que pode ser encontrada desde a Reforma. Eles creem no poder de Deus para realizar milagres, mas não os veem acontecer muito nos dias de hoje – e nem os consideram tão importantes assim, quer aconteçam ou não.

Bíblia não usa exatamente a palavra milagre. Em vez disso, o termo mais comumente empregado nas Escrituras em relação a esses acontecimentos espetaculares é “sinal”. Existe todo um mundo dentro dessa única palavra. Crentes modernos costumam pensar em milagres como “prova” – uma prova de que Deus é real e poderoso, de que ele pode invadir o mundo natural com poder sobrenatural. Mas o sinal aponta para outra direção. Numa comparação simplória, eles são semelhantes às placas que, na estrada, indicam a direção dos destinos. Elas são importantes quando estamos perdidos ou, pelo menos, inseguros quanto o rumo a tomar. Quando nos deparamos com uma placa indicando nosso rumo, sentimo-nos imediatamente aliviados e mais seguros – afinal, sabemos onde estamos e para onde vamos. Curiosamente, depois, nem nos lembramos mais da placa que nos ajudou. Ela apenas serviu para nos indicar o caminho, e nada mais.

O teólogo Colin Brown compara os milagres a esses sinais de aviso. “Eles mostram a presença de uma ordem de realidade diferente da que está presente em nossa vida cotidiana”, ele diz. Sinais nunca são um fim em si mesmos. Eles não apontam em sua própria direção, nem são prova de nada neles mesmos. Tampouco existem para nos fazer pensar que já chegamos a determinado lugar, mas para nos guiar para um novo lugar.

SINALIZAÇÃO

Entender os milagres como sinais ajuda a suavizar as incongruências do Novo Testamento a respeito deles. Jesus era, sem dúvida, um operador de milagres, mas à primeira vista ele parecia ter ideias contraditórias sobre eles. O Filho de Deus criticou, por exemplo, os fariseus e saduceus quando exigiram que ele provasse quem era fazendo milagres. “Uma geração má e adúltera pede um sinal”, disse Jesus a eles. (Mateus 12.39). As multidões também queriam ver um sinal para que cressem no Messias, e lembraram a Jesus que Moisés havia provido o maná. Cristo, certamente, poderia ter feito isso também; porém, como resposta, falou que Deus dava a eles “o verdadeiro pão do céu”. Quando lhe inquiriram mais a respeito, ele disse com todas as letras: “Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome” (João 6.35). O Salvador não lhes daria o maná milagroso, apesar de poder fazer isso. Ele preferiu dar a si mesmo. E, no entanto, quando confrontou os líderes religiosos a respeito de sua relutância em crer, Jesus falou de milagres, dizendo que as obras que faziam em nome do Pai testificavam a seu respeito. E, diante da iminência de ser apedrejado por blasfêmia, limitou-se a questionar seus algozes: “Tenho-vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai; por qual delas me apedrejais?” (João 10.32). João comentou: “E, embora tivesse feito tantos sinais na sua presença, não creram nele.”

O próprio Jesus, muitas vezes, também tentou abafar seus milagres, dizendo àqueles a quem havia curado para que não contassem a ninguém a respeito. Como entender essa postura aparentemente tão estranha? A resposta diz respeito à natureza dos sinais. Os milagres de Jesus apontavam para o anúncio do Reino de Deus. Qualquer um (como os fariseus) que visse isso e fingisse não entender a mensagem era hipócrita. Eles podiam dizer que procuravam pela luz, mas a verdade é que não queriam vê-la. Simplesmente, viram a sinalização indicando o caminho, a verdade e a vida e decidiram tomar outro rumo.

O apóstolo Paulo demonstra a mesma incongruência de maneira diferente. Assim como Jesus, ele era conhecido por seus milagres. Depois de sua conversão milagrosa, ele começou a viajar com Barnabás. Atos 14.3 diz que Deus “confirmava a palavra da sua graça, concedendo que, por mão deles, se fizessem sinais e prodígios”. Paulo e Barnabás foram até Jerusalém para defender seu ministério perante um conselho da igreja, e lá contaram “os sinais e pródigos que Deus fizera por meio deles entre os gentios”, conforme o relato de Lucas. Ele ainda registra que, em Éfeso, “Deus, pelas mãos de Paulo, fazia milagres extraordinários, a ponto de levarem aos enfermos lenços e aventais do seu uso pessoal, diante dos quais as enfermidades fugiam das suas vítimas, e os espíritos malignos se retiravam” (Atos 19.11-12).

Paulo escreveu aos Coríntios que eles haviam visto em seu ministério as credenciais do apostolado, com toda a persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos, conforme II Coríntios 12.12. Ele escreveu aos romanos a respeito do que Cristo fizera por seu intermédio para conduzir os gentios à obediência, “por palavras e por obras, por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo”. É evidente que, para Paulo, assim como para Jesus, a obra do Evangelho era acompanhada por sinais e maravilhas – ainda assim, suas cartas às igrejas nunca mostram que ele esperava que os cristãos curassem enfermos e expulsassem demônios. Ele instrui sobre casamento e família, sobre comunidade e oração, sobre vários aspectos práticos da vida; mas nunca oferece instrução a respeito do ministério de milagres.

Argumentos a respeito de seu silêncio sobre essa questão não são confiáveis. Só porque ele não lhes disse para fazer não é prova de que não queria que fizessem. É impressionante, no entanto, como suas prioridades eram diferentes das prioridades das pessoas que praticam a cura e o exorcismo nos dias de hoje. Elas falam sobre realizar milagres a cada oportunidade que têm. Já Paulo não fazia isso.

O Novo Testamento certamente nos conta fatos cruciais a respeito dos milagres. O ministério cristão é marcado por eles, mas não coloca seu foco neles. Trata-se de um equilíbrio delicado, que muitas pessoas não conseguem encontrar. Muitas não abrem espaço algum em suas vidas para milagres. Outras agem como se estivessem mais interessadas nos milagres do que em Jesus. Os sinais do Reino, que ele exibiu ao longo de sua vida entre os homens, prepararam o caminho para aqueles que o viram ser ressuscitado dos mortos. O mesmo acontece conosco. Os sinais que vemos preparam o caminho para a plenitude desse Reino, quando teremos uma vida ressurreta.

É nossa responsabilidade estarmos abertos para os sinais da maravilhosa presença de Deus, e orarmos por eles. É nossa responsabilidade louvarmos ao Senhor quando vemos milagres acontecerem, e meditarmos a respeito da mensagem que ele tem para nos dar através deles. Da mesma forma, é de nossa responsabilidade não corrermos atrás de sinais e maravilhas, como se fossem o bem supremo planejado por Deus. Somos responsáveis por não exigir milagres como prova de que o Todo-poderoso está presente. Eles não são o conteúdo do Reino; são sintomas do Reino. O conteúdo desse Reino é Jesus, que sofreu, morreu e foi sepultado, sendo depois trazido de volta à vida.

FASCÍNIO x CETICISMO

Muito da confusão a respeito de milagres – tanto o fascínio exagerado quanto o ceticismo – vem de um pensamento desenvolvido durante o Iluminismo e que agora está profundamente enraizado nas mentes ocidentais. A confusão está na separação entre natural e sobrenatural. 
No final do século 17, um cristão devoto, Isaac Newton, aplicou sua mente brilhante em desvendar os segredos do universo. Sua descoberta da gravidade e das leis do movimento o ajudou a analisar as órbitas planetárias. O gênio inventou um cálculo capaz de tornar as contas mais precisas, permitindo que os astrônomos acompanhassem cada planeta com tanta precisão que é possível sabermos com exatidão, por exemplo, quando uma das muitas luas de Júpiter estará em seu equinócio. Tudo estava perfeitamente colocado em seu lugar, e era totalmente previsível. A imagem de um universo mecânico e silencioso cresceu – o cosmos passou a ser visto como uma máquina.

Mais tarde, outras ciências fizeram suas contribuições ao acúmulo de saber humano. A biologia, em particular, com a descoberta da genética. Agora, não apenas o sistema solar e as galáxias, mas também uma simples árvore podia ser completamente estudada através das “leis da natureza”, que explicavam como seu mecanismo funcionava – e tinha que funcionar. As doenças, antes consideradas obra de espíritos malignos, podiam ser explicadas como resultado de falências naturais de órgãos ou resultado de infecções por organismos minúsculos e nocivos. E, o melhor de tudo – podiam ser tratadas! Naturalmente, muitas pessoas que passam a acreditar em um universo tão mecânico acabam se tornando céticas em relação a Deus. Ficou célebre uma frase atribuída ao astrônomo francês Pierre-Simon Laplace quando questionado pelo general Napoleão Bonaparte a respeito do lugar do Criador em seu trabalho: “Eu não precisava dessa hipótese.”
Ainda assim, muitos ainda mantêm sua crença em um Deus ativo. Eles reconhecem o aspecto maquinal da criação, mas insistem que o Criador intervém ocasionalmente no mundo, de maneira sobrenatural.
Eles dividem o mundo em “natural” e “sobrenatural” – um universo girando por conta própria, como uma máquina, sofrendo intervenções ocasionais do Todo-poderoso. Newton, por exemplo, achava que Deus tinha que, de vez em quando, intervir para ajustar os planetas em suas órbitas, a fim de que não saíssem de sincronia. Eventos sobrenaturais, por esse modo de pensar, são momentos em que Deus interfere na máquina natural. Ele entra em cena e transforma água em vinho. De outra feita, ergue um aleijado, ou restitui a vista a um cego. Enfim, o Senhor se permite colocar, vez por outra, seu dedo em uma engrenagem do “equipamento” da natureza, fazendo-o funcionar de outra maneira. As pessoas que separam o natural do sobrenatural chamam essas intervenções de Deus de “milagres”.

AVANÇO DO REINO

Ao pensarmos um pouco, no entanto, podemos perceber que essa separação entre natural e sobrenatural é antibíblica. Não é Deus o Criador e sustentador de tudo o que existe? O clima, por exemplo – as Escrituras falam sobre como as nuvens são as carruagens de Deus e que fenômenos naturais são atos de seu poder. A chuva, por exemplo, que segundo as Escrituras cai sobre justos e injustos. Esses fatos não estão em conflito com a ciência da meteorologia. De fato, tudo o que acontece na criação está cheio do poder e da presença de Deus. Não existe nenhum lugar para onde possamos ir a fim de escapar de sua presença. Nada do que acontece ocorre fora de sua vontade. Tudo é natural e sobrenatural ao mesmo tempo.

Seria recomendável que retornássemos à sabedoria de Agostinho, que entendia os milagres não como uma violação da lei natural, mas como momentos em que o Senhor anda por caminhos incomuns. Eles não são mais inspirados por Deus do que o nascer do sol todas as manhãs; são apenas um rompimento incomum da maneira como o Senhor costuma operar – e, portanto, constituem um sinal de algo importante. A questão é que milagres são tão incomuns que ficamos perplexos. Por serem raros, chamam nossa atenção. É isso que os sinais fazem: eles sobressaem em seu ambiente e, então, nós os notamos. Caso contrário, poderíamos percebê-los?

O evento em que Jesus alimentou aqueles milhares de pessoas foi, de certa forma, bem menos significativo do que um fato corriqueiro que quase ninguém comenta: a colheita do trigo. Ano após ano, sementes de trigo se transformam nas plantas que vão proporcionar um grão que é a base da alimentação da humanidade. Ou seja, é o poder de Deus que faz germinar aquelas sementes, nutrindo geração após geração, e ninguém se maravilha com isso. Mas deixe Jesus multiplicar o almoço de alguém uma única vez, para uma pequena multidão, e todos irão se maravilhar. Não que isso seja mais significativo ou sinalize mais o poder de Deus do que a colheita do trigo: o espanto acontece porque aquela situação foi algo jamais visto. Mas tanto um como outro milagre são sinais de que Jesus – através de quem o trigo foi feito, e é quem sustenta e permite seu crescimento – está se movendo de maneira incomum, e que seu Reino, há muito prometido, está avançando.

Fonte: Cristianismo Hoje

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