09 abril 2012

Igreja Evangelica: Conservar ou Modernizar?


“Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, perfeita e agradável vontade de Deus”(Romanos:12-2). 

Este escrito paulino à igreja que estava em Roma parece destoar um pouco daquilo que a igreja evangélica tem vivido e experimentado, de umas décadas para cá. As transformações acontecem de forma evolutiva, algumas mais rápidas outras nem tanto. Tudo está mudando, isso não podemos negar, ou tentar não enxergar. Tão popular quanto ser evangélico nos dias atuais é o surgimento de uma nova Igreja ou denominação, com regras estranhas e algumas inusitadas.

            Quem pensou um dia termos igrejas para grupos segmentados? Pois é, temos igrejas voltadas para aqueles que praticam esportes radicais, como a Bola de Neve Church, com sede em São Paulo, do Apóstolo Rina, que em seu altar o púlpito tem em seu formato uma prancha de surf. Em Belo Horizonte, a Caverna de Adulão, fundada em 1992, é voltada para roqueiros, metaleiros, punkeiros e etc.

            Todos esses movimentos são salutares para igreja evangélica? É uma forma de atrair pessoas não tão “normais” para as igrejas? Estamos extrapolando um pouco, como foi o caso do ringue montado de MMA dentro de uma igreja em São Paulo? As igrejas históricas, vindas com suas estruturas e formas de se cultuar, detêm um respeito e a credibilidade melhor da sociedade?

            O músico DJ Alpiste tem uma reflexão para aqueles que são amantes das transformações na igreja moderna: “A igreja é mais conservadora que o próprio Deus. Há vinte anos era pecado ter bateria, e hoje não é mais. Por que mudou? Porque um pastor virou e falou: a partir de hoje não é mais pecado? Então vários costumes mudaram, não porque Deus mudou. Deus não muda a palavra, o que muda é a maneira do mundo aceitar as coisas de Deus”.

            Enquanto oramos para o início do culto em um domingo qualquer, dificilmente nos lembramos das profundas modificações pelas quais a Igreja passa nesses dias, e nem nos damos ao trabalho de calcular aonde tais modificações nos levarão.

ANÁLISE DO REV. AUGUSTUS NICODEMOS LOPES

            O ministro presbiteriano Rev. Augustus Nicodemos Lopes, teólogo calvinista, professor, escritor e chanceler do Instituto Presbiteriano Mackenzie, declarou que a teologia ortodoxa necessita de uma reforma e precisa passar por um processo de adaptação às circunstâncias brasileiras. “Os encontros, simpósios e congressos sobre teologia reformada apontam para o crescimento do interesse pela teologia reformada e conservadora”. Para ele, o que está acontecendo dentro da igreja moderna é um total desvirtuamento do culto a Deus, pois as práticas neo-pentecostais são extremamente parecidas com as práticas católicas, e há ainda um desprezo muito grande pela doutrina bíblica, como o sepultamento das doutrinas da graça e o surgimento de um semi-legalismo evangélico. “Tem aspectos muito pouco diferentes da situação caótica que vivia o cristianismo no século 16”, desabafou.

            O Rev. Augustus afirma ainda que as igrejas históricas no passado combatiam veementemente as negligências bíblicas e que, com o crescimento e surgimento de outras linhas, como as do pentecostalismo e neo-pentecostalismo, essas igrejas históricas perderam o impacto no combate aos ensinos que no passado se caracterizaram as igrejas reformadas na sociedade em que estavam inseridas.


MAS, AFINAL DE CONTAS, O QUE MUDOU?

            Quando lemos essas declarações do Rev. Augustus Nicodemos, que é uma pessoa que tem conhecimento total do que fala, podemos levantar algumas questões interessantes e ponderar sobre outras que estão mudando dentro da Igreja.

            Existem denominações tradicionais, pentecostais e neo-pentecostais onde todas têm uma forma de cultuar a Deus. O culto tradicional é cercado com seus hinários; o pentecostal tem sua forma de cultuar com palmas e vozes elevadas nas orações, e o neo-pentecostal, que no seu louvor inclui danças e orações com imposições de mãos. Tudo isso sabemos, mas o ensino da palavra mudou? O louvor mudou?

            Fazendo uma caminhada diária para manter a saúde em forma, comparamos mentalmente as expectativas dos crentes do tempo em que, não muito distante deste, viviam os evangélicos. No domingo era comum encontrar os evangélicos nas ruas, nas praças, para o tradicional evangelismo. Uma quantidade enorme de panfletos poderia ser encontrada em via pública, “provocada” pelo evangelismo pessoal praticados aos domingos à tarde.

            O Pr. João de Souza, que é escritor e historiador, observa que os tempos mudaram; a sociedade mudou e não traz muito fruto pregar o evangelho de terno e gravata com uma Bíblia na mão, às 3h da tarde de um domingo ensolarado, num parque ou numa praça, com se fazia pouco tempo atrás em muitas cidades brasileiras. “As mudanças sociais, em vez de levar os crentes a buscar estratégias de evangelização, os empurraram para o sofá da sala. Agora, domingo à tarde é hora do joguinho na TV, do relax em casa e, quem não gosta de futebol fica à vontade para entoar as novas canções gospels que falam de felicidade, de amor, de alegria, de esperança e de vitória. Estávamos enganados: o mundo não é um horror como entoávamos na década de 60, o mundo é lindo!”

            Hoje, podemos dizer, os tempos são outros! Um tempo onde as músicas cantadas nas igrejas mudaram. Um fato muito curioso é o homem no centro das atenções: o homem é que propõe: “eu te louvarei”; “nada nesta terra”; “eu não preciso ser reconhecido” e outros mais. Estamos cantando muito e pensando pouco”declarou o pastor Manuel Sabino da 2ª Igreja Presbiteriana Renovada de Gov. Valadares.

            O Pr. José Franco, da Igreja Batista Morada do Vale, pondera sobre a velocidade com que as músicas entram nos coros da igreja e logo já saem da “lista” de louvores cantados–“Nem dá tempo para que a alma seja impregnada pelo conteúdo espiritual de uma canção, se logo ela sai do repertório”

            É bem verdade que, anos atrás, não se tinham rádios e nem TV para divulgar os cantores. As igrejas ficavam restritas a cantar musicas no louvor de grupos como Vencedores Por Cristo, Milad, Som Maior, Logus e outros poucos. Época que nossas maiores vozes eram Luiz de Carvalho, Ozeias de Paula, Shirley Carvalhaes e Vitorino Silva. Hoje temos cantores com bem mais notoriedade e visibilidade. Aline Barros é a que mais vende CD no Brasil. Temos outros grandes ícones musicais que arrastam multidões em suas apresentações, como Diante do Trono, Fernandinho, Fernanda Brum, Damares, Cassiane, e por aí vai. De cantores que gravavam independentes ou quando se tinha um bom contrato era com a Gravadora Bom Pastor. Os cantores evangélicos hoje gravam em grandes gravadoras: Som Livre, Sony Music e a MK Music, que detêm em seu cast só artistas evangélicos.

            Se o mais importante é ganhar almas, que é a principal missão do evangelho, o Pr. Helder Rogério, superintendente da Igreja Internacional da Graça de Deus, vê com bons olhos tais mudanças nas músicas cantadas, não só dentro da igreja como fora. O que se vê hoje em dia é um crescimento intenso da diversificação dos louvores nas Igrejas, na minha visão tem o lado bom e também aquele que não é bom, pois,  por um lado vem a modernização e com ela o alcance de muitos jovens”


O QUE PREOCUPA?

           A falta de ensino é o que mais preocupa os líderes das igrejas. É cada vez mais freqüente a abertura de seminários teológicos, tudo isso para atender a demanda dos futuros pastores, missionários ou até mesmo dos professores de escola dominical. Mas, essa abertura de inúmeros seminários é um fator preocupante? Sim, porque muitos desses não têm critérios na grade curricular ou até mesmo algo que mereça credibilidade teológica.

          O Rev. Celso de Medeiros Costa, pastor presbiteriano, critica a abertura de tantas escolas “A disseminação de seminários sempre seria uma boa se, com isso, viesse a qualidade e a seriedade necessária para uma casa de profetas. Mas, já que o binômio qualidade-seriedade tem estado ausente até de grandes faculdades de teologia, não é uma boa abrir tantos seminários, principalmente quando em instalações pequenas de pequenas igrejas, com condições parcas até para a demanda da igreja local.”

          Todo ensino que se preze, tem que ter credibilidade de uma sociedade. Na visão do Pr. Manuel Sabino, isso também tem atingido a igreja no que tange ao ensino. O que parece um avanço, o da liberdade de pensar e falar abertamente, torna-se perigoso, pois perde-se a unidade do escopo doutrinário. Muito do que se vê por aí, nem sequer pode ser dito de “adequação teológica”, ou, de “diferentes pontos doutrinários”, é, na realidade, falta de teologia “de cabo a rabo”. As igrejas históricas permanecem mais fiéis aos seus ensinos doutrinários de antes, apesar dos ventos liberais; os neo-pentecostais não ligam para ela e, os pentecostais se espremem de um lado a outro, buscando estar “atualizados” e, ao mesmo tempo, ligados às raízes.”

          Uma igreja relegada a um ensino vulnerável torna-se uma igreja vulnerável. Onde se falta uma palavra de profecia sobra corrupção e falta de entendimento. Tem havido muitas mensagens, mas não pregações. Porque uma coisa é ministrar uma palavra, outra completamente diferente é “pregar a palavra de Deus” de forma bíblica e cristocêntrica.

          Quando se fala em pregações, outro avanço da igreja moderna é a conquista dos horários na TV. O Pr. Nilson Fanini foi um dos primeiros pastores brasileiros a ter horário na TV. Os sábados e os domingos matinais eram reservados aos pastores americanos Rex Humbard e Jimmy Swaggart e hoje a igreja evangélica brasileira tem vários pastores, com destaque para o Pr. Silas Malafaia e o Missionário RR Soares, em horários nobres. Isso é uma conquista? Há muitos que acreditam que sim, outros pensam que perdemos em vez de ganhar, como explica o Pr. Manuel Sabino – Quando jovem e músico na Igreja, eu sonhava um dia ver algum cantor evangélico cantando no espaço midiático brasileiro. Porém, meu sonho virou pesadelo. Vejo cantoras gospel participando como juradas em programa que disputa cada coisa frívola, e isto liga o Evangelho ao evangélico, trazendo grande confusão”.

         O mesmo pensamento é compartilhado o Rev. Celso de Medeiros, quando afirma que o sonho da Igreja em ocupar os canais de TV, para muitos, tornou-se, só, pesadelo. “Penso que muitos que criticam a ocupação nunca estiveram no sonho, e – pior! – estão no sono”, criticou o reverendo.

            Os otimistas creditam que a abertura está sendo bem aproveitada, e pena que para poucos. “Se tivesse condições eu compraria um canal de TV ou rádio para fazer isso. Exclusivamente isso, não para mim mesmo, mas para o Rei, pois creio se Jesus Cristo estivesse aqui conosco, como naquele tempo, faria o mesmo, aproveitando todas as oportunidades possíveis para falar aos corações das pessoas, pois o amor para com as vidas é muito grande, e eu amo gente e elas precisam saber que existe um céu, lindo céu esperando por elas, basta elas crerem e os meios de comunicação existentes hoje devem ser explorados nesse sentido”, comemora o Pr. José Franco.

            Se para muitos pastores o que se prega na TV e o que se pede em valores para o sustento dos programas é perigoso, o Pr. Helder Rogério entende que a pregação sempre será importante. A propagação do evangelho é muito importante, pois é o imperativo do Mestre. Certa vez Paulo disse aos Filipenses que uns pregam a Cristo por inveja e porfia, mas outros de boa mente, uns por contendas e não sinceramente”

FRAGMENTAÇÃO GENERALIZADA

            Essa fragmentação, que já se verifica e da qual se prevê intensificação e maior abrangência nos próximos anos, atinge e atingirá todos os elementos da fé: da doutrina ao culto, das instituições as pessoas. É fato, por exemplo, que as denominação perdem igrejas todos os dias, as convenções se dividem sem parar, cada líder abre sua igreja independente. Entre aquelas que permanecem denominacionais, já é difícil encontrar duas igrejas com liturgia idêntica, quando até na doutrina aplicada divergem significativamente. Pensa-se em uma igreja e ela já existe. Movimentos sugerem novas e dispersivas definições de Igreja e de sua missão. Dentro desse caldeirão, surgem grupos sectários e heréticos, que se confundem com o evangelicalismo em nuances que os próprios crentes não sabem distinguir.

            Muitos crentes são sustentados pela ministração dos mais peculiares ministros de louvor, despreparados para o ensino, e vão desenvolvendo cada um uma crença ou várias. Adolescentes e jovens abrigam opiniões diversas de seus lideres. Pesquisas revelam brechas cada vez maiores entre discurso e prática. Há Bíblias para todos os gostos, há musicas de todos os estilos, há cultos de todos os formatos e novas doutrinas também.

            A tendência é que esse fenômeno da fragmentação se intensifique. Não haverá esforço de unidade que não gere, quase que imediatamente, uma versão para cada líder. Não haverá estilo pessoal de liderança que não se desdobre em múltiplos competidores. Parece não haver qualquer limite para a fragmentação. Serão os dias da Torre de Babel, como afirmou o resultado de uma pesquisa realizada pelos missionários da AMME, sobre o “Futuro da Igreja e da Evangelização”.


Fonte: Revista Povos/ Blog Por Traz da Cortina 
Por: Pr Fabiano Alves - Mtb 15.645 MG

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