26 dezembro 2011

Nem Lá, Nem Cá...

Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) revelou que o número de evangélicos no Brasil vem crescendo vertiginosamente. Em 2009, cerca de 40 milhões de pessoas se declararam evangélicas, número que representa 20,2% da população nacional. Outro estudo divulgado recentemente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que nos últimos 30 anos o número de pessoas que se converteram à religião foi maior do que o apresentado nos 108 anos anteriores. (ver gráfico: Evangélico Sem Igreja)
O crescimento elevado da comunidade evangélica nos enche de felicidade, ao mesmo tempo em que abre os nossos olhos para um dado alarmante: os altos índices de pessoas que têm se desvinculado das instituições religiosas, para viver a fé em pequenos grupos. Entre 2000 e 2009, os chamados “desigrejados”, pessoas que continuam se identificando como evangélicos, porém, sem assumir compromissos nem vínculos com nenhuma igreja ou congregação, somavam quase cinco milhões de pessoas, número que representa 14% dos evangélicos do país. Se fosse uma religião, esta seria a terceira maior do Brasil, atrás apenas da Igreja Católica Apostólica Romana e da Assembleia de Deus.
A pesquisa revela ainda que jovens entre 20 e 29 anos e idosos com mais 60 anos são os que mais engrossam a geração de decepcionados. Apenas 11,82% dos jovens e 11,56% dos idosos são adeptos aos movimentos evangélicos pentecostais e tradicionais. Uma das maiores reclamações apresentadas pelos “desigrejados” está relacionada à institucionalização da igreja; à supervalorização das leis instituídas no grupo; e à pouca valorização das pessoas que o compõe.


Marcelo Rissma, um crente sem igreja assumido
Um desigrejado assumido

Quando a igreja se torna uma empresa, e o líder passa a buscar objetivos pessoais, políticos e até empresariais, muitas vezes a organização cresce de forma rápida, porém, ao mesmo tempo em que várias pessoas entram pela porta da frente, entusiasmadas, tantas outras saem pela porta dos fundos, feridas e magoadas. 
Marcelo Rissma viveu esta realidade. Membro de uma família cristã, bacharel em teologia, foi pastor durante alguns anos e hoje faz parte da lista dos chamados “desigrejados”, por não concordar com as atitudes de alguns líderes.
Segundo Marcelo, os evangélicos na sua grande maioria estão trilhando um caminho completamente diferente daquele que Jesus ensinou nos evangelhos.“Boa parte dos líderes das instituições religiosas buscam pelo poder, poder de dizer o quanto as pessoas têm de ofertar, aonde elas podem ir, o que podem vestir. Na realidade a pregação destes líderes não liberta ninguém. Muito pelo contrário, eles estão criando uma geração inteira que tem medo da vida, uma geração pagã, que tem medo de pessoas, lugares e coisas”, alerta Marcelo.

Ainda segundo Marcelo, alguns pastores não cumprem o seu papel de líder, e usam o seu poder de forma equivocada. “Quando são confrontados, eles excluem, disciplinam, humilham. Outros usam o desprezo como castigo, por o terem desafiado e ensinam descaradamente a expressão: Ai daqueles que tocam nos ungidos do Senhor”, exemplifica.
Tais atitudes levaram Marcelo a se desligar da instituição religiosa da qual fazia parte. “Estava ficando doente com esse paradoxo: de um lado a bondade e amor do evangelho de Jesus, do outro, maldades e tramoias dos coronéis evangélicos, que usam a palavra para beneficio próprio”, afirmou.
Com templos cada vez maiores, a comunhão entre os membros fica prejudicada. Embora todos frequentem um mesmo lugar, as pessoas não se conhecem e se preocupam cada vez menos umas com as outras. Tornam-se irmãos distantes e sem convivência. A saída encontrada por Marcelo para burlar esse afastamento foi a criação de um pequeno grupo de estudo. “A gente se reúne sempre que pode para compartilhar as nossas experiências do dia a dia, nossas alegrias e frustrações, vitórias e derrotas. Lá a gente pode discordar, concordar, pode sorrir de verdade. Lá a gente pode ficar com raiva, a gente não tem que atuar, mas podemos ser o que realmente somos”, concluiu, entusiasmado.


 
Pastores opinam

Embora o movimento dos desigrejados venha crescendo no Brasil nos últimos anos, o número daqueles que acreditam na fé vivida em comunhão com a igreja ainda é superior. Segundo o pastor Silmar Coelho, não há como ser evangélico sem estar ligado a uma instituição religiosa. “Uma das marcas do cristianismo é participar da mesa do Senhor. A comunhão com Deus no cristianismo é horizontal, e não vertical. Não dá pra ficar sozinho”.
Já para o pastor Fanuel Vieira, o movimento dos “sem igreja” parte do princípio da amargura. “São pessoas decepcionadas, que lutam contra tudo e contra todos”. Essas pessoas buscam uma igreja perfeita, o que para o pastor não existe. “Jesus tinha doze discípulos, no meio desses um traiu a Jesus, que era Judas; outro O negou, que era Pedro. Dois escutavam que estariam ao lado Dele no céu, um duvidou quando Ele ressuscitou. Tudo isso em uma igreja que tinha doze membros. Porém, não é deixando de reunir que vamos evitar os escândalos. Se tivesse uma igreja perfeita, nós não caberíamos a ela, porque somos imperfeitos a igreja perfeita está no céu”.
Os pastores entrevistados pela Marca Cristã compartilham da mesma reflexão: a de que, aqueles que saem da igreja, se vão por não estarem satisfeitos com questões relacionadas ao convívio. Estes não se decepcionam com Deus, ou com o Evangelho, mas sim com as pessoas, com os irmãos, obreiros, pastores. Porém, o pastor Silmar Coelho alerta que: “as experiências que nós trocamos, mesmo as feridas que fazemos uns nos outros, fazem parte do processo de maturidade, fazem parte do processo de crescimento. Viver é magoar e ser magoado, é cair e se levantar, é acertar e errar, ter sucesso e fracassar. Isso é viver. Ao me proteger eu não me magoo, mas eu não vivo, eu não creio. E esta é uma posição muito perigosa”.
Já na opinião do pastor Fanuel Vieira, quando as pessoas se desligam da igreja por uma decepção elas ficam à procura de outra instituição, porém sempre se deparam com algo que não as satisfaz plenamente, e acabam retornando para a igreja de origem. “Quando a esta pessoa chega à outra igreja, ou mesmo a um grupo menor, procurando a “perfeição”, ela acaba se decepcionando e voltando para a igreja. O caminho delas é este: voltar. Porque mesmo em um grupo de desigrejados existem líderes, e nesse movimento os líderes são humanos. Então, de certa forma, ele pode decepcioná-los. Então essas pessoas vão ficar nesses grupos, até que achem um local ideal”.
O pastor e cantor Dayan Alencar reconhece que a igreja está vivendo um momento de mudanças, e que, embora existam pessoas buscando a religião fora dos templos, o número de pessoas que estão sendo usadas na obra dentro das igrejas é muito maior. “Eu gosto de ver as coisas pelo lado bom. Eu vejo nossa geração como pregadores do evangelho. Existe, sim, um grupo de discipulado, mas o grupo que está sendo transformado é muito maior. Graças a Deus, tenho viajado muito. Eu morei por um tempo nos Estados Unidos, e sempre quando vou pra lá e volto vejo o que Deus está fazendo na igreja brasileira, e é algo sobrenatural”.
Segundo o pastor, é possível encontrar uma igreja na qual a pessoa se sinta bem, independentemente do estilo ou da idade: “Deus está usando de todas as maneiras, para que você faça parte deste mover. Se você gosta de uma igreja que bate palmas, tem. Que não bate palmas, tem. Quer louvor sentado, tem. Com rock, tem. Tem todo tipo de igreja”.
No entanto, é necessário que as igrejas olhem para o movimento dos desigrejados, com olhos de reflexão. As igrejas e os líderes precisam olhar para dentro, para as pessoas, e ver neste momento uma saída para fortalecer o rebanho do Senhor. O aprendizado que fica se estabelece sobre a base da flexibilização das instituições em suas regras e conceitos.
Em tempos em que o número de evangélicos se torna cada vez maior, a igreja deve voltar ao início de tudo. Deve voltar a se aproximar dos membros. Não basta que o pastor aperte a mão dos fiéis, na saída da igreja. É necessário estar presente na vida deles, aconselhando-os e permanecendo em comunhão constante.


Por Shiuêillize Santos
Colaboração: Pr. Fabiano Alves

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